30/03/2014

Medo

Há anos, numa outra vida- porque a que tenho agora começou quando conheci o meu amor- tive um caso com um rapaz da minha idade. Éramos ambos livres, estávamos sozinhos, os dois dizíamos não querer complicações. Deixei claro desde o início que o que sentia por ele era apenas amizade, mas era livre, quem sabe me poderia apaixonar?  Eu já sabia que ele era possessivo, já tinha chorado no meu ombro várias vezes, por causa de traições de namoradas que eram todas umas mal comportadas, mas achámos que nos íamos divertir , sem complicações.
 Daí a perceber que ele era louco, foi um passo. Começou por me dar prendas, que eu agradecia, mas não ligava grande coisa àquilo, porque não queria nada dele, pelo contrário, faziam-me sentir desconfortável. Depois começou a implicar comigo sempre que eu saía, controlava-me pelo telemóvel, duvidava do que eu lhe dizia, punha em causa a minha vida. Dizia que não confiava em mim, que eu era igual a todas as outras que tinha conhecido.
 Eu, a principio não liguei muito, pensei apenas que ele era um bocado ciumento, mas quando ele começou a perseguir-me, a dizer que tinhas amigos que me seguiam, que sabia tudo da minha vida, quis acabar com aquilo tudo. Nessas alturas, ele virava um doce. Com uma voz meiga, dizia que se tinha apaixonado por mim, que por gostar muito de mim é que tinha ciúmes, que nunca mais me chamava nomes feios e que se ia emendar. Eu, tinha pena dele, sinceramente. Nessa altura também percebi que as antigas namoradas não o tinham enganado, mas antes tinham-se fartado de toda uma situação idêntica. Acho que estas relações devastadoras têm sempre uma pessoa que tem pena, e outra que diz amá-la perdidamente. É sempre uma coisa desalmada, esquisita, sem sentido. E eu deixava as coisas arrastarem-se, por pena, por cansaço, por inércia.
 Até que não podia quase respirar, sem que isso fosse uma enorme ofensa para ele. Ligava-me a toda a hora, queria saber tudo da minha vida, controlava tudo, gritava, berrava, seguia-me, assustava-me, chamava-me nomes horriveis, até em público. Nesta altura, desse lado está tudo a pensar que eu era uma fraca, que não conseguia acabar com aquilo e se fossem vocês as coisas seriam diferentes. Eu pensava o mesmo. Perguntava a mim mesma porque é que não conseguia acabar com aquilo, que não fazia nada de mal e não merecia nada daquilo. Nessas alturas ele era um anjo, tentava convencer-me que era o homem da minha vida, que ainda acabaríamos por casar, porque mais ninguém gostaria de mim como ele gostava, que eu me portava mal e ele não tinha alternativa a ser agressivo para mim. Comecei a duvidar de mim. Se olhava ou falava com um homem, dava por mim a pensar se não me estaria a portar " mal", a ter uma conduta menos própria. E a resposta era sempre negativa.
Nunca, durante aquele tempo, um homem me tocou ou pensei em fazer algo menos próprio com alguém, não era a puta que ele me dizia ser, nunca na minha vida isso tinha acontecido com ninguém. E dizia-lhe, que não fazia nada de mal e que não merecia ser assim tratada, que assim não era capaz de ser feliz. Mas confesso que eu própria me sentia a afundar naquela loucura, me sentia sem forças para impor a minha vontade, para me fazer ouvir, embalada naquele filme de terror. Até que uma certa noite, saí com um amigo, fomos jantar, conversámos, e vi que o que sentia pelo outro era apenas medo, terror, raiva, pena, cansaço. Ele ligou-me para aí umas 400 vezes, até eu lhe desligar o telemóvel. Não satisfeito, veio para a porta do meu prédio, chorar e esperar por mim. Passei por ele, mas não o convidei a subir, e os gritos dele não me demoveram. Começou com os insultos do costume, fechei-lhe a porta na cara. Subi, deitei-me e dormi descansada, coisa que não acontecia havia meses. Decidi que a partir daquela altura, ele nunca mais me faria mal. O choro dele, ajoelhado à minha frente, na semana seguinte, não me comoveu. O sexo fantástico que ele me propunha não me seduzia, o marido perfeito que jurava vir a ser, não me convenceram. Nunca mais o vi, pois decidi que aquele relacionamento só me fazia mal e que toda aquela história não fazia sentido. Sei que ainda me seguiu, sei que ainda me tentou fazer mal, mas não vacilei um segundo.
Isto foi há anos, mas lembro-me bem desta história e, de cada vez que oiço falar em violência doméstica, vêm-me à memória aqueles meses tão duros, em que duvidei de mim mesma, e de como às vezes, até as pessoas normais, como eu, passam por situações estranhas, delicadas, dificeis. Eu pude, felizmente, saltar fora, ir à minha vida, mas as pessoas que são casadas ou vivem com tipos violentos, não podem. A violência psicológica, da qual pouca gente fala, que não se vê e passa despercebida aos olhos dos outros,  também dói e faz muito mal. Muito mesmo.

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